Monday, January 18, 2010

O Suicídio

O Suicídio - Short Story
by
Inês D'Eça
A relação deles durou muito mais que muitos casamentos devido essencialmente aos esforços que ela fizera para que a relação resultasse. Ele apenas se limitara a esperar de mãos cruzadas que a vida e os sonhos caíssem no seu colo sem grande esforço.
Ela farta de críticas, de desrespeito, de indiferenças, de faltas de atenção e de educação, tinha posto um ponto final no inferno que se adivinhava a sua vida de casal ( e tão simplesmente, só porque ele recusava a viver a relação com o companheirismo próprio de quem tem um projecto de vida a dois).
Ele, primeiro, e como é típico do género masculino, reclamou, tentou pôr em causa a fidelidade dela (como se para os homens essa fosse a única razão que leva as mulheres a terminarem relações doentias) e estrebuchou, ferido de posse, mas como acomodado por natureza, bem depressa se acomodou ao fim da relação, tal como se havia acomodado há mesma.
Durante um tempo, ficou a amizade, mas após uma ida a um cinema, ela tornara-se esquiva, por não se sentir confortável junto dele, e ele após dois meses e meio de distância começou a persegui-la com desculpas obscuras para se encontrar com ela.
Ela já não o compreendia. Teria ele levado todo aquele tempo a assimilar a sua perda, quereria a recuperar sem ter feito nada para a reconquistar? Até quando é que ele pensava que a podia manipular?
De qualquer modo, já havia algum tempo que não se viam e iam-se encontrar nos anos de uma amiga comum aos dois. A festa seria numa casa dos pais do marido dela e cujo andar era relativamente elevado.
Primeiro limitaram-se a conversa de circunstância, mas num momento de maior exaltação da festa ele pediu-lhe um momento a sós, ela primeiro resistiu, mas a insistência foi tanta que ela concedeu uns minutos na solidão e tranquilidade oportuna do quarto de casal amigo.
Quando ele se viu sozinho com ela, começou com a voz embargada:
- “ Eu tenho sentido muita a tua falta, quero que voltes para mim… Percebi que não te quero perder e quero realizar contigo os sonhos que construímos juntos durante todos estes anos, e olha, até aceito te dividir com o teu cão!”
Ela olhou-o boquiaberta, deu um riso irónico, cheia de mágoa, ressentimento, revolta e incredibilidade:
- “ Tu estás doido ou estás a gozar comigo? O que é que achas que fizeste este tempo todo, que me fizesse, de alguma forma, achar que valia a pena tentar mais uma vez? Que tens feito para me provares que lutas por mim? Sim, ainda te amo, mas de que me serve esse amor? De nada, tal como nada tens feito. Tu acabaste com a fé que eu pensava inabalável da força do amor, porque essa força só é possível quando as duas pessoas lutam por ele. E eu estou cansada de lutar, já não tenho, nem quero dar mais nada a este amor doentio. Estou vazia. Por isso, esquece, esquece-me, cada dia estou mais certa de que fiz bem em terminar a nossa relação, porque contigo eu seria infeliz todos os dias da minha vida, e eu não mereço isto, muito menos sou a Madre Teresa de Calcutá para ser infeliz em nome de um amor que não vale a pena! E já agora, agradecia que parasses de me assediar ou arriscas a perder também a minha amizade e eu esquecerei até dos bons momentos que vivemos!”
- “É a tua última palavra?”
-“É!”
Então ele sorriu, abriu a porta da varanda, olhou para ela, novamente com aquele sorriso estranho e fugidio e com um pulo sentou-se no parapeito da varanda e disse:
-“ Assim sendo, não me deixas outra alternativa…”
-“ Que estás a fazer?” – disse ela, alarmada. –“Não sejas estúpido e egoísta, desce daí, isso não te servirá de nada!” – e enquanto dizia estas palavras, ela recuava para a porta do quarto, com medo que qualquer passo na sua direcção o precipitasse no vazio. –“Tu podes não vir a ter um amor igual ao que eu te dei, mas ainda tens tempo de encontrar alguém que goste de ti. Nem com todo o amor que te dei eu valho a pena ao ponto de tomares essa atitude. Pensa bem. E se queres fazer isto só para me castigares, para que eu fique com remorsos, será em vão e só vais magoar os teus pais, pensa neles, a minha consciência está tranquila. E eu sei que nada mais pude, posso ou poderia fazer por nós. Não sejas infantil, precisas de ajuda, e eu ajudo-te a arranjá-la e vais deixar de sofrer, mas não faças isso, não vale a pena!”
Ele voltou a sorrir, riu, disse adeus e deixou-se cair, enquanto ela congelava por dentro e abria arregalados os olhos incrédulos, enquanto na garganta se formava e prendia um grito surdo.
Durante um segundo ela sentiu o tempo parar, como se tudo se encontrasse suspenso, ela não conseguia se mexer e os sons que lhe chegavam aos ouvidos faziam a cena desenrolar-se perante os olhos abertos e fixos no vazio de onde ele se jogara, e com o olho da mente ela viu, o baque surdo do corpo dele na calçada, os gritos dos transeuntes, alguém a gritar : “Chamem uma ambulância!”
Nas suas costas, a festa prosseguia até que alguém se apercebeu da mudança dos sons da rua e chamando os outros se dirigiu ao quarto e ao passarem por ela e perguntarem-lhe por ele, olharam pela varanda e perguntaram o que tinha acontecido.
Ela não se mexeu, nem o conseguia fazer, mantinha-se estática, pálida e apaticamente de olhos abertos, sem diminuição da incredibilidade sentida pela situação, até que alguém a agarrou pelos ombros, tentando fazê-la reagir e com esse toque tudo ficou negro e ela caiu inconsciente.

Quando ela acordou, e embora não se tivesse apercebido de imediato, estava num hospital com um dos seus amigos ao seu lado…
Ainda sem bem avaliar onde ela estava, conta tudo o que se passara como se dum pesadelo se tratasse, pois a sua mente ainda perturbada não conseguia apreender a realidade dos factos, o amigo pega-lhe na mão e com um ar taciturno responde-lhe:
- “ Lamento muito, mas não foi um pesadelo, estás em choque e por isso estás aqui. Tens que te recuperar, isso é o mais importante agora!”
- “Então… ele foi assim tão cobarde?!?... Eu tentei… Eu não tive a culpa, eu tentei evitar…”
- “Calma, ninguém te culpa. Ele é que errou. Tem força e ultrapassa isto. A culpa nunca foi tua e tu não mereces sofrer mais com isto.”
Ela chorou, libertou então o grito aprisionado, mas reconstruiu-se e a sua vida é uma página em branco…

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